24 de agosto de 2009

pesquisando



"Dioniso não pode ser considerado, como o faz sua versão romana, Baco, o deus do vinho, do entusiasmo e do desejo sexual. Dioniso é o deus da libertação, da eliminação das proibições e dos tabus, das catarses, da exuberância da Natureza e da vida e do êxtase por meio da expressão do irracional. Simboliza as forças que dissolvem a personalidade adquirida, a máscara de "civilizado" que impomos a nossa natureza animal. Assim, as orgias dionisíacas pretendiam resgatar as formas caóticas e primordiais da vida. Dioniso, assim como Zaratrusta, ambos inspiradores de Nietzsche, tendem a fazer dos humanos seres divinos, ou melhor, que nos reconheçamos como deuses."
Veet Pramad

Triunfo de Dioniso e Ariadne
Annibale Carracci
(afresco no teto do Palacio Farnese - Roma)




8 de maio de 2009

relativismo 2

As Tentações do Bem

Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade. Achar-se virtuoso é a marca do bom canalha

por LUIZ FELIPE PONDÉ

UMA LEITORA muito especial (minha mulher!) me chamou atenção para o risco de que entendessem, a partir de minha coluna de 13 de abril, que eu desprezo o meio ambiente e me falou que seria bom eu esclarecer minha crítica. Como não sou bobo nem louco, obedeci a ela (quem quer problema com a mulher?!), e, portanto, hoje volto a alguns dos temas da semana passada.

Repito: são os vícios que nos humanizam, e não as virtudes. Por exemplo, uma leitora me dizia como “é bom acordar acabada depois de uma noite de vícios e sentir como ela é um nada”. Essa me entendeu. Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade besta. Achar-se virtuoso é a marca essencial de todo bom canalha. Adoro almas pecadoras cheias de culpa. Os puros me acusam: você tem medo do homem evoluído! Respondo: sim, morro de medo.

Quem se acha agente de pureza tem minha natural antipatia. Muita gente cospe na cara da Igreja Católica e de religiosos em geral, acusando-os de hipócritas cheios de falsas virtudes. Hoje, a falsa virtude se espalha por rostos que exalam o mesmo mau cheiro da mentira moral de muitos dos bispos no passado.

Uma das coisas que mais chocou alguns leitores que provavelmente se acham puros foi a analogia entre proteger animais e os nazistas. Leiam “Liberal Fascism”, de Jonah Goldberg, editora Doubleday, 2007 (uma referência possível entre outras). Voltarei a isso logo, tenham paciência.

É evidente que o fato de escovar os dentes de manhã (coisa que os nazistas deveriam fazer) não torna os praticantes de higiene bucal membros do partido. Tampouco ter pena dos pandinhas faz de alguém um nazista latente. A analogia se dá pelo “que” de superioridade moral que muitas dessas pessoas associam à preocupação com os ursos pandas, a natureza e o antitabagismo. Quem disser o contrário, mente. O mesmo tipo de mentira moral acompanha grande parte dos comedores de rúcula (dizem por aí que Hitler era vegetariano…). Não comer carne significaria um dado de pureza diante da baixaria sangrenta típica dos comedores de picanha. Bobagem. Muitos canalhas se sentem mal em churrascarias, detestam tabaco e conversam com plantas.

A correspondente de guerra Martha Guellhorn conta em seu livro “A Face da Guerra” (editora Objetiva, 2009), numa conversa com um refugiado polonês, que os nazistas, depois de mandar judeus para o inferno e poloneses para a escravidão, enviavam veterinários para cuidar da população de cães e gatos da região. Que sensibilidade ambiental, não?

A relação que o jornalista Goldberg descreve em seu interessante livro é conhecida de muitos: a preocupação com a natureza é fruto do romantismo (coisa em que os alemães dos séculos 18, 19 e 20 foram muito bons), raiz do nacional-socialismo (prestem atenção: “socialismo”!). O romantismo foi muito marcado pela ideia de que os humanos poluem a divindade da natureza. Adorar a natureza é coisa de neopagão bobo: câncer é tão natural quanto foquinhas. Isso não significa que matar focas a pauladas seja bonito, mas significa que esse papo de “deusa-natureza” é coisa de fanático. Para muitas viúvas do Che, “ser verde” é o “produto utopia” que resta.

Mas minha dúvida é a seguinte: qual o motor principal desse ódio aos “poluidores” da natureza? Não acredito que sejam as coitadas das foquinhas, mas sim a capacidade natural do ser humano de gostar de odiar outros seres humanos, principalmente se este ódio for justificado por alguma falsa virtude (amor aos animais, ódio aos fumantes, paixão pelas cenouras).

E, por fim, chegamos ao fantasma da eugenia (a busca de uma vida perfeita cheia de humanos saudáveis). A tese central de Goldberg é que o fascismo permanece em nosso horizonte cultural como um mercado invisível de eugenia silenciosa. Essa eugenia é nossa “tentação do bem”. O paradigma de uma sociedade da “grande saúde” é típico dos totalitarismos. Belos corpos, comida balanceada (outra coisa cara aos nossos ancestrais nazistas: preocupação com a alimentação), ar sempre puro, pessoas que agregam saúde aos comportamentos cotidianos. Suspeito que muitos desses fascistas da saúde que andam por aí se sentiriam em casa em algumas das organizações nazistas preocupadas com o meio ambiente e com a saúde na Polônia em 1943.

E, para terminar, olhem que pérola: “Adoro ver essa demonstração de saúde ao meu redor”, Adolph Hitler.

17 de abril de 2009

relativismo 1

O Cigarro de Sade
Luís Felipe Pondé

Sade é sem dúvida um autor famoso. Para alguns, ele é um gênio que grita pela liberdade em meio ao século das Luzes (um Voltaire maníaco por sexo), para outros, mero tarado sexual com dotes literários medíocres.

Apesar de tê-lo lido com alguma atenção e entender um pouco o que os especialistas veem nele, suspeito que, antes de tudo, seu sucesso se deu porque ele era um nobre “em desgraça” que escrevia pornografia pesada (quem não gosta?). Se ele estiver certo, somos todos tarados sexuais. Mas levemos a sério sua “crítica” e vejamos aonde ela nos levaria hoje.
Sade funda uma “tradição” que é ver no sexo algo além dele. Muitos o seguiram nessa suspeita de que sexo é mais do que sexo. O Sade político ou psicanalista é o mais famoso. Mas há um Sade “metafísico”.
Segundo sua metafísica, a Natureza é perversa e cruel e, portanto, a rigor, não há crime ou transgressão porque a regra é o crime e a transgressão. Nesse sentido, ele se aproxima muito dos cristãos antigos conhecidos como gnósticos, caras que afirmavam que o mundo foi criado por um deus mau.
Segundo o que nos legou os críticos desses gnósticos, alguns deles se entregavam a todo tipo de sexo, menos o reprodutivo, como forma de desafio ao deus mau. Diriam eles: “Veja, oh! Miserável deus, você nos fez gostar de sexo para reproduzir suas vítimas, por isso fazemos apenas sexo estéril”. Já há aqui algum indício da “sexualidade de protesto”.
Mas o Sade político e psicanalista é mais fácil de circular em jantares inteligentes. Seus frequentadores são consumidores envergonhados de antidepressivos, não aturam pessimismo de gente grande como a metafísica de Sade.
A política sadiana identifica na moral social a intenção de nos destruir pela repressão do desejo. Quem busca a “virtude”, como sua personagem Justine, é objeto “feito” para ser torturado por uma sociedade que dá corpo à crueldade da Natureza louca. A revolta nesse caso é ser sexualmente “livre”: transformar-se no libertino, ou seja, no torturador, identificando-se com a “regra da crueldade gostosa”.
Já o Sade psicanalista é aquele que “pressente” o gozo da pulsão de morte como natureza essencial do animal louco que seríamos. Violência, revolução e gozo.
Depois dele, nunca mais fomos para cama com alguém sem levar junto Freud (mamãe e papai), Marx (e a ideologia de classe), Foucault (e a microfísica do poder invisível), enfim, haja cama grande para tanta gente.
Não fazemos mais sexo, fazemos política e sintomas quando temos tesão por alguém. Confesso que no fundo acho esse papo de perversão sexual meio “boring” (um saco): bater, queimar, cortar, apanhar, ser queimado, ser cortado. A mesma lengalenga de sempre. A morte para um perverso é achá-lo entediante. Na realidade, a política sadiana hoje está espalhada em sites sado-maso banais.
Acho mais interessante imaginar o que Sade teria escrito hoje, se vivesse em nossa época, dada a delírios de uma nova “pureza”. Imagine, caro leitor, que existem pessoas que “salvam” o mundo comendo alface! Um exército de rúculas! O que seria transgressivo no caso da “nova pureza”? Tiraria ele sarro do “pai Obama”? Ou talvez ele fumaria um cigarro no meio de um templo onde se reúnem os fascistas da saúde?
Mas tabaco faz mal! Claro que sim, mas ser violentada por cinco caras também faz mal. Fazer sexo nos telhados, como gatos, também faz mal. Por que achar que isso é libertador e fumar não? Vamos adiante, quem é o novo Sade? Que tal comer gordura trans? Ou será que a “ciência da comida saudável” já mudou de novo e agora comer gordura trans combate ataques cardíacos?
Vejo um Sade gordo, dilacerando uma picanha em meio a um restaurante de comedores de rúculas. Chorariam? Ou o espancariam? Vaquinhas jamais, mas sádicos comedores de carne e fumantes merecem uma surra? Ou apenas desprezo e nojo? Os nazistas também eram defensores dos animais…
Sua Sodoma seria deliciosamente poluída, rindo das “medições” do aquecimento global. No lugar da teoria Gaia da “mãe terra”, a “devoradora terra” gargalhando de nossa “devoção verde”.
O Sade do sexo envelheceu. Hoje todo mundo acha chique achá-lo chique. O novo Sade é aquele que, talvez, debocharia de uma sociedade da saúde. O que nos humaniza são os vícios, não as virtudes. Temo pessoas que não têm vícios. O novo hipócrita é magérrimo, “verde” e antitabagista.

30 de outubro de 2008

hot little joy



Descaradamente chupado do let it blog, não posso deixar de anunciar a boa-nova, a big joy que foi descobrir isso. O disco de estréia do Little Joy (que dá pra ouvir na íntegra por esse link do myspace), banda do Rodrigo Amarante com o stroke Fabrizio Moretti, com lançamento previsto para o próximo dia 4 de Novembro, já vazou. Glória a vós Senhor =D

10 de outubro de 2008

simulacro


- E aí, é ou não é?
- É como se fosse...
- Não consigo entender.
- É algo que acontece. Uma rosa que não sabe que é rosa.
- E o coração, onde fica?
- Gotejando aqui e ali, começo de chuva. Que às vezes se perde...
- Não chove nem molha.
- Não sei explicar...
- Conteúdo não prescinde de forma.
- ...